Acórdão: Apelação Cível n. 2003.001181-1, de Caçador.
Relator: Des. Alcides Aguiar.
Data da decisão: 23.06.2006.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - CHEQUES SEM PROVISÃO DE FUNDOS EMITIDOS POR TERCEIROS - COMPRA DE SAFRA DE TOMATES PELOS DEVEDORES - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA RELAÇÃO NEGOCIAL ENTRE DEVEDORES E EMPRESA EMITENTE DOS TÍTULOS - CONFIRMAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE SOCIEDADE DE FATO ENTRE OS RÉUS - POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO PELO CREDOR VIA PROVA TESTEMUNHAL (ART. 987 DO CC) - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS SÓCIOS - ART. 990 DO CC - COMPENSAÇÃO (ARTS. 368 DO CÓDIGO CIVIL E 1.009 DO CC/1916) - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DÍVIDA LÍQUIDA (ART. 369 DO CC - ANTIGO ART. 1.010 DO CC/1916) - DESPROVIMENTO.
"As sociedades em comum seriam aquelas hoje identificadas pela doutrina, como as sociedades irregulares ou de fato. Portanto, seriam aquelas sociedades onde inexistem contratos sociais (no caso das sociedades de fato) ou se existem não foram registrados (como no caso das sociedades irregulares)" (Átila de Souza Leão Andrade, "Comentários ao novo Código Civil", Rio de Janeiro: Forense, vol. IV, 2003, p. 44).
O artigo 987 do Código Civil autoriza o terceiro a comprovar a existência de sociedade de fato ou comum através de qualquer meio de prova, inclusive a testemunhal.
É solidária e ilimitada a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais nas sociedades de fato, conforme preconiza o art. 990 do Código Civil.
Não é permitida a compensação de valores entre credor e devedor senão quando demonstrada a existência de dívida líquida (arts. 368 e 369 do CC).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2003.001181-1, da comarca de Caçador (2ª Vara), em que são apelantes Gildo Pedro Zampronio e Cláudio Boscari, sendo apelado Niversindo Forlin:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Niversindo Forlin ajuizou ação ordinária de cobrança contra Gildo Pedro Zampronio e Cláudio Boscari.
Informa que se dedica à monocultura de tomate, contratando várias famílias e fornecendo-lhes, durante o período entre a semeadura e a comercialização, salário, moradia, alimentação e assistência médica; foi vítima dos réus, pois comercializou com eles parte da última safra, no valor de R$36.267,00; eles atuaram como sócios comerciais de fato, devendo serem responsabilizados solidariamente.
Os réus dissimularam o pagamento das mercadorias com cheques desprovidos de fundos, titulados por empresa de Mogi das Cruzes (DJ Atac. Varejo Horte Fruti. Granjeiro Ltda.) cuidando de não colocarem seus avais pessoais nos títulos, fato que impede o ingresso de ação executiva ou monitória pela falta de confissão formal da dívida.
Sustenta restar evidente que as cártulas foram entregues a título "pro solvendo" dos pagamentos das mercadorias; a prova testemunhal comprovará suas assertivas.
Na contestação, Cláudio Boscari aduziu que ele e o outro réu nunca foram sócios, e que apenas intermediaram a negociação entre o autor e a empresa Firma de J. Atacado Varejo Hot. Frut. Granjeiros, agindo como seus prepostos, de modo que não são partes legítimas a participarem do pólo passivo da ação, estando o autor a litigar de má fé; que juntamente com outros elementos, o autor os ameaçou e agrediu; em março de 1996 este contratou serviços na oficina mecânica do réu Cláudio Boscari e ate hoje não pagou o débito.
Pugna pela condenação do autor em litigância de má fé e pela extinção do feito sem julgamento do mérito diante de sua ilegitimidade passiva; por agirem como prepostos da empresa supramencionada, não podem ser considerados seus sócios já que não têm intenção de cooperarem como tal, não se submetem ao regime societário e nem participam dos lucros ou prejuízos do negócio que intermediaram; não podem ser responsabilizados pela falta de provisão de fundos dos cheques da empresa; esta é que deveria figurar no pólo passivo da ação; não se vislumbra qualquer aval ou garantia pelos réus nas cártulas, porque atuaram somente como intermediários do negócio.
Alega que, em relação ao cheque que emitiu, foi ele lançado como garantia de parte de uma carga de tomates, que foi paga com o cheque n. 5303, da conta n. 34688-8, do Banco América do Sul S/A, o qual foi emitido em seu favor como pagamento de comissões a si e ao outro réu, e ainda o valor de R$1.290,00 para o pagamento do autor; como este não quis esperar o desconto da cártula, o réu emitiu um cheque de sua propriedade para garantir o pagamento da carga de tomates, restando combinado que após o desconto do cheque da empresa, em 11 de março, este último título lhe seria devolvido, fato que não ocorreu porque o cheque da empresa retornou sem provisão de fundos; após comunicar o fato ao autor, ele se negou a devolver o título sob a alegação de que já o teria repassado a terceiros.
Afirma que a não devolução de seu cheque pelo autor foi motivada pela intenção deste de ajuizar a presente ação judicial, de modo que o autor está pleiteando valor inexistente. Entretanto, se este não for o entendimento do juízo, requer a compensação com os valores devidos pelo autor ao réu.
Salienta que as notas que instruem a contestação não estão assinadas pelo autor, mas sim por seus prepostos, sendo ele o responsável pelo pagamento.
Réplica às fls. 30/34.
Audiência às fls. 42/43, 55/63, 100/103. Por ocasião desta última, o autor ofereceu agravo retido ao despacho que indeferiu a oitiva de mais de uma testemunha por ele arrolada.
Alegações finais pelo autor às fls. 104 e pelos réus Às fls. 107.
A ação foi julgada procedente, com a condenação dos réus ao pagamento de R$36.267,00, acrescido de juros e correção monetária desde a citação. Condenou-os, ainda, ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação, e, em litigância de má fé, no percentual de 1% do valor da causa (fls. 118/121).
Irresignados apelaram os vencidos, pugnando, preliminarmente, pela nulidade da sentença ante a ausência de apreciação das preliminares apresentadas na contestação.
No mérito, reiteram os argumentos da defesa de que nunca foram sócios, sendo que apenas agiram como intermediários e prepostos da empresa Firma de J. Atacado Varejo Hot. Frut. Granjeiros, sendo, então, partes ilegítimas para figurarem no pólo passivo da ação; o recorrido agiu com má fé, devendo por isso ser condenado.
Apontam no depoimento pessoal do apelado que ele confessou ter ciência de que os recorrentes eram apenas intermediários do negócio; a testemunha meeira deixou clara a inexistência de responsabilidade dos réus; a segunda testemunha dos autores possuía real interesse no processo eis que tinha crédito a receber; a prova produzida pelo apelado demonstrou a ilegitimidade passiva dos apelantes.
Discorrem sobre o conceito e a natureza do cheque e sublinham que eles cheques não foram endossados ou avalizados pelos apelantes e que o título de n. 5606 pertence a terceira pessoa e também não está endossado.
Pedido de constituição de hipoteca judiciária às fls. 144.
Contra-razões às fls. 145/149.
Deferimento da hipoteca às fls. 150.
Após alçarem os autos a esta superior instância, sobreveio petição do Oficial Titular do ofício de Registro de Imóveis de Caçador/SC, suscitando dúvida sobre a hipoteca judiciária (fls. 156).
Posterior à manifestação do autor (fls. 165), foi proferido despacho pelo subscritor (fls. 175/177), deferindo o pedido de fls. 171 e determinando ao cartorário a efetivação da inscrição da hipoteca judiciária.
Às fls. 182 o recorrente Gildo Pedro Zampronio requereu preferência no julgamento em razão de sua idade (70 anos), pedido que restou deferido.
É o relatório.
Trata-se de ação de cobrança ajuizada por Niversindo Forlin contra Gildo Pedro Zampronio e Cláudio Boscari, em razão da venda de parte de safra de tomates, paga pelos réus com cheques sem provisão de fundos.
O Magistrado julgou procedente a ação, com a condenação dos réus ao pagamento de R$36.267,00, acrescido de juros e correção monetária desde a citação. Condenou-os, ainda, ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação, e em litigância de má fé, no percentual de 1% do valor da causa (fls. 118/121).
Arreda-se de início a possibilidade de exame do agravo retido interposto pelo autor no desenrolar da audiência de fls., porquanto não reiterada a irresignação ao ensejo das contra-razões (§ 1º, artigo 523, CPC).
Pretende o autor/recorrido o reconhecimento da relação negocial entre ele e os réus - compra de parte da safra de tomates - para fins de cobrança dos cheques acostados às fls. 06, todos devolvidos sem provisão de fundos.
Os citados títulos foram emitidos pela empresa DJ Atac. Varejo Hort Fruti Granjeiro Ltda., à exceção do de n. 344753, emitido pelo réu Cláudio Boscari.
Afirmam os réus que agiram como prepostos da citada empresa, e apenas intermediaram o negócio, motivo pelo qual devem ser excluídos do pólo passivo da demanda.
Cumpre, inicialmente, afastar a alegação de nulidade da sentença por não ter apreciado as preliminares apresentadas na contestação.
É que no despacho saneador, proferido na audiência realizada às fls. 42, o juiz afirmou expressamente: "Inicialmente verifico que o requerido argüiu em sede de preliminar ilegitimidade passiva. Da análise pormenorizada do feito tal preliminar confunde-se com o mérito, diante do que será apreciada por ocasião da sentença".
E, de fato, quando prolatou a sentença, o Togado examinou a matéria, concluindo pela legitimidade dos réus, motivo pelo qual, não se há falar em nulidade da decisão.
No tocante à legitimidade passiva dos recorrentes, o conjunto probatório indica, de um lado, a existência de sociedade de fato entre eles e revela e, de outro, a ausência de ligação entre eles e a empresa emitente dos cheques.
Os depoimentos que prestaram em audiência revelam que havia entre os réus acordo para compra dos tomates e seu transporte.
Cláudio Boscari afirma:
"(...) informa que juntamente com o SR. GIDO PEDRO ZAMPRONIO, na qualidade de representantes da empresa DJ ATACADO E VAREJO DE HORTIFRUTIGRANJEIROS LTDA. teria efetuado a compra de uma safra de tomates do Requerente NIVERSINDO FORLIN...
"(...) que tanto o depoente quanto o requerido GILDO atuavam como compradores da empresa DJ HORTIFRUTIGRANJEIRO LTDA. cabendo ao requerido GILDO por ser proprietário de um caminhão efetuar o transporte de produtos...
"(...) que o pagamento das comissões do depoente e do requerido GILDO vinham englobados em um só cheque; que alega que os cheques para pagamento das comissões eram inicialmente convertidos em dinheiro e o valor apurado e dividido ente o depoente e o requerido GILDO...
"(...) que o depoente informa que como a EMPRESA DJ HORTIFRUTIGRANJEIRO LTDA., já havia em época anterior adquirido produtos na região, efetuou contato telefônico com a mesma e sem ter assinado qualquer contrato passou a negociar a compra de produtos em nome da referida empresa...
"(...) que aproximadamente trinta dias após o término da safra, quando os cheques dados em pagamento dos produtos e emitidos pela EMPRESA começaram a voltar por falta de fundos os requeridos dirigiram-se ao ESTADO DE SÃO PAULO E lá constataram que a EMPRESA DJ HORTIFRUTIGRANJEIRO LTDA. estava fechada; que teria ido juntamente com o requerido GILDO por mais três vezes a SÃO PAULO com o intuito de localizar o proprietário da EMPRESA DJ HORTIFRUTIGRANJEIRO LTDA" (fls. 57/60).
E Gildo Pedro Zampronio:
"(...) alega que por ser proprietário de um caminhão e duas caminhonetes teria acertado com o requerido CLÁUDIO BOSCARI a realização do trabalho de frete destinado ao transporte dos tomates da lavoura até os caminhões da EMPRESA DJ HORTIFRUTIGRANJEIRO LTDA...
"(...) que alega que nos anos anteriores a EMPRESA DJ HORTIFRUTIGRANNJEIRO LTDA. sempre pagou em dia os produtos adquiridos; que ao ser apresentado ao depoente os documentos juntados à fl. 10 reconhece que no primeiro deles assinou a retirada e transporte de 240 caixas de tomate da lavoura do requerente" (fls. 60/61).
Dos depoimentos colhidos, pois, constata-se que entre os réus existia de fato o acordo de vontades visando à compra e transporte em conjunto da safra de tomates, que seriam posteriormente remetidos à empresa paulista.
As testemunhas arroladas pelo autor/recorrido, por sua vez, afirmam desconhecerem que os réus estavam representando alguma empresa, já que sempre se apresentaram como compradores das lavouras de tomate.
Colhe-se do depoimento de Miguel Adair dos Passos:
"(...) que conhece os réus e os mesmos compraram tomate da lavoura do autor; que compraram mais de uma vez na mesma safra; que era o autor quem tratava a venda da produção; que a forma de pagamento e o preço eram acertados pelo autor com os compradores; (...) que os réus acompanhavam os carregamentos de tomates dos caminhões;
"(...) que ao que se recorda os réus sempre estavam juntos dos carregamentos. (...) que o autor mencionava quando era vendida para uma empresa ou para uma pessoa" (fls. 101).
Guilherme Urbano Rossetti:
"(...) que chegou a falar com os réus na época; que os réus compravam tomates e falavam com o autor o qual antes de fechar o negócio consultava o depoente e demais meeiros; que o depoente participou das negociações; que nunca viu os réus dizerem que representavam a empresa DJ ATACADO E VAREJO HORTIFRUTIGRANJEIRO LTDA.; (...) que às vezes os réus vinham com os caminhões para carregar e outras vezes os caminhões vinham com o motorista a mando dos réus; que a maioria das vezes os réus estiveram acompanhando o carregamento; (...) que os réus se mostravam como sócios..." (fls. 102).
E Adelar Vieira Lopes relatou:
"(...) que foi a primeira vez que viu os réus comprando tomate enquanto trabalhava com o autor; que no seu entender estava vendendo os tomates para os réus; que os réus se apresentavam como sócios; (...) que às vezes os réus iam junto com os caminhões e às vezes o motorista dizia que estava carregando por ordem dos réus" (fls. 103).
Pelos testigos, observa-se, então, que os apelantes compraram parte da safra de tomates do recorrido, sendo que se apresentavam como sócios e normalmente acompanhavam o embarque das mercadorias e seu transporte.
A par disso, os recorrentes não lograram êxito em comprovar nenhuma relação negocial entre eles e a empresa emitentes dos cheques; ao contrário, as provas demonstram apenas a existência dessa relação entre as partes aqui litigantes. Logo, não há como se presumir a existência de relação de preposto ou de intermediação entre os réus e a citada empresa.
O que restou plenamente demonstrado, entretanto, foi a sociedade de fato entre eles para compra e transporte dos tomates.
Bem anota a decisão recorrida:
"A prova produzida confirma a existência da sociedade entre os demandados, como pretende o autor.
"Os depoimentos pessoais dos réus são bastante contraditórios quanto a sua participação no negócio, pois reconhecem que juntos faziam as compras de tomate, e que dividiam os lucros auferidos no negócio.
"(...) Percebe-se facilmente que o acerto do requerido Gildo foi feito diretamente com o requerido Cláudio Boscari, e que ambos em evidente comunhão de vontades compravam os tomates em nome próprio, remetendo-os para a empresa de São Paulo com a qual não tinham nenhum vínculo contratual a não ser a revenda dos tomates retirados da lavoura pelos caminhões do requerido Gildo.
"A prova testemunhal confirma a compra dos tomates pelos requeridos, que nunca se apresentavam como representantes de terceiro (fls. 101/103). Logicamente que os tomates adquiridos pelos intermediários se destinavam a revenda, em especial para os grandes centros consumidores já que Caçador é sabidamente o maior produtor de tomates do país.
"A alegação dos requeridos de que também deixaram de receber sua parte na 'comissão' pelos cheques sem fundos emitidos pela DJ Atac. Varejo Hort. Fruti Granjeiro Ltda. (fls. 45/46) somente confirma a idéia de que aquela empresa era o destino dos tomates comprados pelos requerentes dos agricultores, negócio este concretizado com a tradição, ou seja, como carregamento dos tomates no veículo do demandado Gildo, como preceitua o Código Civil em seu art. 620.
"Nenhuma prova foi produzida quanto à existência de outro vínculo contratual entre os demandantes e a emitente dos cheques...
"(...) Confirmada a existência da sociedade de fato pela própria confissão dos requeridos, em consonância coma prova testemunhal, cabe ressaltar não só a possibilidade de responsabilizá-la patrimonialmente, como também a possibilidade de se atingir o patrimônio dos requeridos, que respondem solidariamente pelas obrigações societárias" (fls. 119).
Com efeito, entende-se por sociedade de fato ou comum a reunião de duas ou mais pessoas objetivando a prestação de serviços ou a produção e circulação de bens, onde inexiste qualquer contrato social, como, a priori, ocorre na espécie, já que não se tem notícia a respeito. Nestes tipos de sociedade, a responsabilidade dos sócios é solidária. Vale dizer, qualquer um dos sócios responde integralmente pela dívida.
É o que dispõe o art. 990 do Código Civil:
"Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade."
Comentando o citado artigo, Maria Helena Diniz:
"Há, na sociedade em comum, responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas obrigações sociais... Isto é assim porque os credores da sociedade são credores dos sócios..., podendo acionar qualquer deles pelo débito todo" ("Código Civil anotado", 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 631).
A doutrina esclarece o conceito e as características da sociedade de fato.
Na obra "Empresas empresários no novo Código Civil", 2ª ed., São Paulo: RT, 2005, Luiz Tzirulnik comenta a respeito:
"A sociedade não personificada é a sociedade que, embora já constituída, ainda não tem os seus atos constitutivos devidamente inscritos...
"Trata-se de sociedade irregular, ou sociedade de fato, embora tenha natureza de sociedade e seus sócios respondam de forma solidária e ilimitada pelas obrigações sociais, não tem caráter de pessoa jurídica, o que só ocorre coma sua inscrição no registro pertinente" (p. 53).
E continua mais adiante:
"A responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações da sociedade em comum é de todos os sócios...
"Recorde-se que a responsabilidade solidária é aquela que torna cada um dos sócios obrigado a pagar o total de uma dívida, ou que concede o direito a cada um deles de receber o total de um crédito. Ilimitada é sua responsabilidade que não se limita à participação dos sócio na sociedade" (p. 54-55).
Nos dizeres de Átila de Souza Leão Andrade:
"As sociedades em comum seriam aquelas hoje identificadas pela doutrina, como as sociedades irregulares ou de fato. Portanto, seriam aquelas sociedades onde inexistem contratos sociais (no caso das sociedades de fato) ou se existem não foram registrados (como no caso das sociedades irregulares)" ("Comentários ao novo Código Civil", Rio de Janeiro: forense, vol. IV, 2003, p. 44).
Sérgio Campinho também se manifesta no mesmo sentido na obra "O direito de empresa à luz do novo Código Civil", 6ª., Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 76:
"... a sociedade obtém a condição de empresária a partir da exploração efetiva e de forma profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviço. É o exercício da atividade e não o registro do seu contrato social que lhe confere a qualidade, visto ser o registro declaratório e não constitutivo da condição de empresário. O registro de apresenta como pressuposto do exercício regular da atividade. Portanto, enquanto não arquivados os atos constitutivos, e, a despeito disso, a sociedade encontrar-se no exercício da atividade econômica, ela será uma sociedade empresária irregular ou de fato.
"A definição formulada por Eunápio Borges para tais sociedades irregulares ou de fato, que sempre adotamos, permanece válida à luz do novo Código Civil. Assim, 'irregulares são as sociedades que se encontram verbalmente ou as que, embora contratadas por escrito, não arquivaram o respectivo ato constitutivo no Registro do Comercio, agora denominado de Registro Público de Empresas Mercantis."
De notar-se, ainda, que o credor possui legitimidade para comprovar a existência de sociedade de fato entre os devedores, inclusive através de prova testemunhal, como ocorreu no presente caso:
"A existência da sociedade em comum só poderá ser provada por escrito (prova documental), quando se tratar de atos dos sócios, nas relações entre si ou com terceiros.
"Já a terceiros é facultada a possibilidade legal de provar a existência desta sociedade de qualquer modo, entendendo-se, aqui, a admissão legal de prova testemunhal, desde que não haja impedimento legal" (Luiz Tzirulnik, ob. cit., p. 54).
E segundo Átila de Souza Leão Andrade:
"(...) Todavia, a recíproca não seria verdadeira: terceiros podem provar a existência de qualquer modo. Destarte, terceiros, quem quer que sejam eles, poderão provar a existência das sociedades em comum, como se provam matérias de direito comercial, cartas comerciais, indícios presuntivos acerca da existência da sociedade (art. 305 do Código Comercial) e até mesmo por prova testemunhal, conforme estabelece o art. 304 do Código Comercial" (ob. cit., p. 44).
Colhe-se da jurisprudência:
"SOCIEDADE IRREGULAR OU DE FATO. Os sócios das sociedades irregulares são solidariamente responsáveis nos mesmos termos em que o são os sócios das sociedades regulares em nome coletivo e os sócios ocultos. Essa solidariedade e subsidiaria, isto e, primeiro responde a sociedade, depois os sócios. Apelação não provida. (TJRS, Apelação Cível n. 585013451, rel. Des. Túlio Medina Martins, j. 17.09.1985).
Ainda:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE SOCIEDADE CIVIL E DISSOLUÇÃO. Robusta prova testemunhal, com depoimentos ricos em detalhes e em consonância entre eles, além de recibos e notas fiscais a comprovar a compra de material de construção pelas autoras, enviados para o endereço onde foram construídas as casas, a indicar a existência de sociedade de fato... (TJRS, Apelação Cível n. 70001378512, rel. Des. Ney Wiedemann Neto, j. 27.8.2003)
Assim, ressai dos autos a existência de sociedade de fato entre os recorrentes e a conseqüente responsabilidade pelo pagamento integral da dívida representada pelos cheques sem provisão fundos que entregaram como pagamento dos tomates que compraram do autor/apelado, conforme restou decidido na sentença.
D'outra sorte, no tocante à pretendida compensação do crédito dos apelantes em face aos supostos serviços mecânicos prestados ao recorrido Cláudio Boscari, registre-se que, em que pese o art. 368 do Código Civil (antigo art. 1.009 do CC de 1916) autorizar a compensação de obrigações entre credor e devedor ("Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se até onde se compensarem"), no presente caso o dispositivo legal não pode ser aplicado.
É que o apelante não logrou êxito em comprovar a efetiva existência de dívida líquida a autorizar a compensação, como requer o artigo 369 do mesmo código (art. 1.010 do CC/1916), verbis:
"A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis."
De notar-se que as notas de serviço de fls. não servem para tanto, já que não há qualquer outro indício nos autos de que o serviço tenha de fato ocorrido.
Colhe-se da jurisprudência:
"EXECUÇÃO. Nota promissória. Embargos rejeitados. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Compensação. Pressupostos não integrados. Apelo desprovido. Litigância de má-fé. Caracterização. Reconhecimento de ofício.
"(...) 2. Não sendo o executado detentor de um crédito líquido, certo e exigível em desfavor do exequente, posto embasar-se seu pretenso crédito em ordens de serviço, improcede o pleito de compensação por ele formulado, vez que a compensação, como forma de extinção de obrigações que é, só se viabiliza entre créditos líquidos, certos e vencidos" (Apelação cível n. 2005.016693-2, de Xanxerê, rel. Des. Trindade dos Santos, j. 7.7.2005).
E:
"EXECUÇÃO. Duplicatas mercantis. Embargos acolhidos em parte. Compensação. Pretenso crédito do executado. Iliquidez. Pressupostos ausentes. Recurso de apelação. Negativa de provimento.
"Pretenso crédito decorrente de meras anotações particulares do próprio executado, ainda que provado estivesse ele, não detém os pressupostos de liquidez e certeza. E, não havendo essa liquidez, não há como pretender-se estabelecer compensação em sede de execução, com valores decorrentes de duplicatas mercantis. E a compensação, para poder ter condições de acatabilidade, há que se sustentar em crédito líquido, certo e exigível" (Apelação cível n. 2004.016857-8, de Seara, rel. Des. Trindade dos Santos, j. 30.6.2005).
Também não procede os argumentos de má fé do recorrido, já que a ação foi julgada procedente e a sentença está sendo confirmada pela presente decisão. Destaca-se, outrossim, que foram os próprios recorrentes que foram condenados por litigância de má fé pelo juiz singular, devendo arcar com multa no montante de 1% do valor da causa (fls. 121).
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Gastaldi Buzzi e Paulo Roberto Camargo Costa.
Florianópolis, 23 de junho de 2006.
Alcides Aguiar
PRESIDENTE E RELATOR
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